top of page

não destila lágrimas

Conto | Ligia Contreras


Ela levantou os olhos ligeiramente. Pareceu-me um movimento familiar, dessas manobras que tantos se valem para não deixar cair a lágrima. Boca e punhos cerrados, mãos trêmulas. Piscou diversas vezes e afinal tossiu interrompendo o assunto quando por fim se levantou.


E eu que nunca soube como retroceder o fluxo natural de uma lágrima, ali fiquei resmungando pra dentro que mal nenhum faria deixar que toda aquela emoção desabasse.

Ainda calada, alcei o olhar e sem muito esforço busquei a janela para ver se estavam mesmo todos dançando. Através do vidro confirmei que ela já se somara ao pequeno grupo, agitando com esmero os braços ao alto.


Quando decidi deixar a mesa e o salão, era já fim de tarde.


Olhei em volta em todas as direções. Queria guardar em mim, como numa fotografia, esse dia triste que insistia em bradar alegria, e aquelas mãos eufóricas que mais se pareciam a um bando de náufragos.


Era verão. E eu sem grandes alardes, despedi-me somente com o olhar em um até breve um tanto covarde. Subi a pequena rua por onde partiria apressadamente.


Podia ter-lhe dado um abraço. Quisera ter-lhe dito algumas palavras. Hoje depois de tantos anos e algumas derrotas, tinha aprendido que o que mais nos espanta, sabe a inveja na boca. E que de todo desprezo sangra um “quem me dera” por entre as pernas.


Teria sido tão diferente se em lugar de encolher-me naquelas noites quentes, tivesse eu me embriagado de sambas, movendo-me com todas as forças, cantando até ficar rouca.


Teria aprendido mais cedo que a dor sendo irremediável, não destila lágrimas. Quem as chora, as inventa. E como nós as sufocamos, elas também nos sufocam.

“Em algum dia sereno, deixará de pesar-me o peito”, pensei como prece, desanuviando o medo. “E naquele dia, ainda que a dor pulse ardente e crua, sorrirei com a alma e amarei como nunca afinal fui amada”, cantarolei baixinho, mirando o chão e cuidando das pedras.


Pensava na dor. Sorria por ela.

Chorei demorado.

E, afinal, nunca mais voltei a vê-la.



Ligia Contreras uma mulher branca de cabelos loiros, assistindo um por do sol. Usa blusa preta e tem parte do rosto coberto pela sombra

____________________________________


Ando numa fase intensa, escrevendo histórias que me invadem e transbordam no peito. E sei lá se é este o meu melhor estilo, se termina por ser um texto, prosa ou narrativa. Mas ando tão despreocupada de definições que apenas me permito. Outro conto que amei escrever eu publiquei no Instagram, hoje me sinto um tanto arrependida (sem dancinhas, fica bem difícil sobreviver lá nas redes), mas eu não desisto e deixo aqui o link. Espero que goste! Boa leitura!

תגובות


bottom of page